Omitirei, neste relato, a identificação dos personagens e do local onde ocorreu o diálogo que me levou a este artigo. Direi, apenas, que era um programa de rádio e que o assunto surgiu durante um intervalo comercial. Não foi ao ar, portanto.
Aos fatos. Enquanto a emissora cuidava de seus interesses, um dos participantes do programa, dirigindo-se a mim, afirmou: "Puggina, é inegável que tua posição está baseada na moral cristã". Disse-o como se estivesse apontando um pinguim no Saara. Retruquei que isso era uma obviedade posto que o assunto em pauta envolvia considerações de ordem moral e a minha moral tinha, com efeito, fundamento cristão.
E aproveitei para perguntar em que se baseava a posição moral que ele estava defendendo. Respondeu-me: "Os direitos humanos. São os direitos humanos".
Argumentei que direitos humanos não podem ser fundamentos de uma moralidade, posto que eles mesmos requerem algum fundamento anterior, a partir do qual os direitos humanos se distinguissem dos direitos dos animais, por exemplo. Diante disso, meu interlocutor deu sinais de surpresa. "Não estou te entendendo", disse.
Dado que nesse momento, outro participante do programa interveio usando a expressão "dignidade da pessoa humana" (que eu estava vendo se extraía espontaneamente do meu interlocutor), ele agarrou a expressão com as duas mãos: "É a dignidade da pessoa humana".
Chegáramos ao ponto que eu queria: "E em que se fundamenta a dignidade da pessoa humana, meu caro?". Ele voltou a dizer que não estava me entendendo e eu a lhe perguntar se as pessoas e os animais eram portadoras da mesma dignidade. Infelizmente, com o término do intervalo comercial, apenas tive tempo lhe recomendar que meditasse sobre essa questão: em que se fundamenta a dignidade da pessoa humana?
Estou convencido de que a única resposta capaz de preencher todos os requisitos filosóficos e de viabilizar corretos parâmetros morais à nossa existência é a que integra a Revelação e a subsequente tradição judaico-cristã: o homem é imago Dei! Imagem de Deus. Com ela e por ela todos somos iguais em essência e dignidade, a despeito das infinitas diferenças. Sem ela, nos tornamos vítimas em potencial das diferenças. No encontro dessa verdade de fé com a sã filosofia, nasce o Direito Natural, vertente de quanto há de valioso no moderno constitucionalismo.
De alguma leitura e muita conversa, sei para onde provavelmente apontará a reflexão daquele meu interlocutor se fizer o que lhe pedi. Ele fundamentará a dignidade da pessoa humana na liberdade. Ora, a liberdade pode ser uma expressão visível dessa dignidade. É um valor moral e um atributo do ser humano. Não serve como vertente de sua dignidade.
Tomada a liberdade como fundamento moral absoluto, a dignidade humana convive, por exemplo, com o aborto, a despeito da agressão que representa à dignidade e à vida do feto.
É o que já acontece nos países ocidentais cujo Direito vem abandonado as raízes do Direito Natural para adotar o relativismo moral. Este tem fundamentos que repousam na combinação da liberdade com o querer sem limites e transformam a consciência num desconforto a ser removido, numa espécie de verruga que se instala na alma humana.
Entre os muitos resultados dessa conduta, que se vai tornando dominante, ao expor convicção moral oposta, o sujeito passa a ser visto como um pinguim no deserto.
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* Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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