quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fotos da África - Rio Omo


Esta foto mostra duas pessoas de uma tribo africana, entre várias, que habitam a Etiópia, às margens de um rio chamado Omo, do qual nunca tinha ouvido falar até há poucos dias, quando recebi um e-mail com um anexo contendo esta e outras fotos.
O lugar é realmente lindo e as fotos são excelentes. Mostram como as pessoas dessas tribos têm o costume tribal, milenar, de pintar o corpo, das mais variadas formas. Explica que essa marca cultural passa de geração em geração - aprende-se pela observação e depois cada um é livre para criar novas formas e cores, usando o corpo como tela. São tribos que vivem ainda na préhistória, sobrevivendo da agricultura, da caça e da pesca, conforme a abundância que lhes proporciona o rio, em cujas margens estão estabelecidos.
Conforme o e-mail que recebi, o governo etíope pretende construir uma hidrelétrica, utilizando-se do rio Omo, para gerar energia elétrica para o país. Com isso, o rio seria grandemente reduzido em seu volume e essas populações, que dele dependem para a sua sobrevivência, tornar-se-iam miseráveis.
A preocupação do fotógrafo, que fez as fotos como forma de divulgação e protesto pela situação em si, na verdade não é com o fato dessas pessoas ficarem reduzidas a uma situação miserável ou perderem seus meios de subsistência, mas (pasmem!) com a "perda dessa cultura milenar"!!!!
O fotógrafo, Hans Sylvester, nascido na Alemanha, exalta a integração dessas tribos com a natureza e a pureza e beleza de sua arte. Fotografa-os e protesta contra a barragem que será construída, mas não protesta contra o fato de, em pleno século XXI, pessoas estarem vivendo em situação primitiva, sem acesso à saúde, educação, saneamento básico, moradia digna. E, apesar de tanto apreciar o modo de vida dessa gente, não deixa o conforto da civilização para ir viver com eles e partilhar de sua "integração com a natureza".
Ora, é da evolução humana, da história do homem, que as culturas se modifiquem com o correr do tempo. Inevitavelmente, algumas passam por transformações tais que deixam de existir. Outras formas culturais foram, são e serão absorvidas por culturas mais novas ou mais fortes. O próprio modo de vida dos grupamentos humanos leva à modificação de suas culturas.
Sendo assim, é uma grande hipocrisia defender a "preservação" da cultura das tribos que habitam as margens do rio Omo, pois isso implica mantê-los vivendo na Idade da Pedra, em condições subhumanas, indignas para o homem do século XXI. É hipocrisia tratar pessoas como peças de exibição ou como animais de zoológico (só que, neste caso, ao inverso - são condenadas a viver em seu ambiente natural da mesma forma que seus ancestrais, há cinco mil anos ou mais). É hipocrisia querer preservar a cultura em detrimento do ser humano, pois é a pessoa quem dá sentido à cultura.
Se a barragem é inevitável (não estou afirmando isso, é preciso ver as necessidades do povo da Etiópia e as condições de preservação ambiental), o que se deveria fazer é a promoção dessas pessoas, para que, de maneira digna, possam continuar vivendo sem cair na miserabilidade, inseridas no ambiente cultural de hoje, com acesso a, pelo menos, o mínimo que o progresso humano pode proporcionar atualmente.
Especialmente, dever-se-ia promover essas pessoas de tal forma que elas poderiam escolher, sem matiz ideológica pesando sobre essa escolha, se gostariam ou não de preservar o costume de pintar o corpo. Quem sabe, prefeririam pintar o corpo em ocasiões determinadas, festivas, enquanto, no resto do tempo, viveriam como qualquer ser humano com acesso aos bens da vida? Ou poderiam querer continuar pintados.
O problema, mesmo, é que a eles não foi dada a liberdade de escolher...
Mas... não é assim que tratamos nossos índios?

7 comentários:

  1. Não será também hipocrisia pensarmos que não são pessoas tão felizes como nós assim como vivem? Problema é se os reduzimos a mero objecto de estudo, de folclore, se nos intrometemos no seu modo de pensar e viver!
    "o mínimo que o progresso humano pode proporcionar atualmente."- frase vossa- que progresso humano?

    ResponderExcluir
  2. Justamente por isso é que defendemos a promoção dessas pessoas: para que elas escolham como desejam viver. De outra forma as reduziremos a objeto de estudo e folclore, por um lado, ou à miséria e à indignidade, por outro.
    Quanto ao progresso, estava falando apenas dos confortos da civilização. O progresso do espírito humano, em nossa opinião, acabou com a chegada do Iluminismo. Mas isso é uma outra história...
    Obrigada pela contribuição, Maria.

    ResponderExcluir
  3. Desculpem a minha insistência! Progresso para nós é algo que não faz sentido para muitos, ter celular, shopping, carro, etc...?
    Possivelmente, a barragem e seu projeto podem ser desviados para um terreno perto, mas que não destrua o seu habitat, é só isso. Claro que o homem vivre continumente se destruindo e destruindo o planeta, mas se alguma vez o pudermos evitar...


    Sou portuguesa, visitámos vossa cidade e parte do Rio Grande do Sul-ADORÁMOS!!!

    ResponderExcluir
  4. Oi, Maria, desculpa o atraso em postar o teu comentário. Estamos apreciando muito a tua participação e temos um desejo imenso de conhecer Portugal. Quando vieres novamente ao Brasil e, em especial Porto Alegre no Rio Grande do Sul, gostaríamos muito de conhecê-la.
    A cultura não tem direito. Quem tem direito são as pessoas. O que queremos dizer com isso? Que as pessoas têm o direito de poder escolher se querem preservar certas práticas de sua cultura, como por exemplo, matar crianças gêmeas e mutilar a genitália de suas mulheres, ou incorporar ações de outras culturas que valorizam a dignidade da pessoa humana. A inculturação quando traz componentes positivos é salutar e fundamental para o desenvolvimento humano e pode ocorrer sem desnaturar a cultura que está sendo influenciada. Não vejo problemas também de uma cultura absorver a outra se houver um processo pleno de inclusão não somente das pessoas como também das práticas culturais. O Brasil é um exemplo disso. Uma das nossas riquezas é a pluralidade cultural que convive em perfeita harmonia. Alguns problemas ainda permanecem como o racismo e o preconceito que estão sendo superados a cada dia a partir de ações do poder público e com a participação de toda a sociedade, mas não temos ódio racial. A prática do multiculturalismo que busca preservar cada cultura sem integração numa mesma nação é nefasta e é a nova versão do racismo científico do século XIX, pois cria os chamados cidadãos com hífen que nunca são efetivamente incluídos. Ou seja, não se consegue formar e nem ter um projeto concreto de nação.

    ResponderExcluir
  5. Lá vai mais outro! Comos estão vocês? Por cá, a Primavera fez-se sentir,mas parece que a chuva não qer ir embora...Abril, águas mil!
    Pois é, eu vivi ha uns tempos no mato, em Moçambique e me adaptei muito bem ao modo de vida daquela comunidade, o mesmo não posso dizer da gente que vive como que perdida nas ruas de Maputo, desejando voltar para seu canto, o barulho, os carros, a luz,a a indiferença, a solidão.A falta de se sentarem à volta da fogueira contando histórias.

    Claro que irei a Porto Alegre, será que conhecem a Vera Maciel, o Getulio do Museu de Gravataí e a Lézia Cardoso? São grandes amigos nossos! Que saudades!!!
    A casa é vossa aqui em Portugal, moramos pertinho de Lisboa
    Um beijo
    Maria e Simion

    ResponderExcluir
  6. Amigos, estamos muito bem. Aqui é outono. Tem chovido bastante, mas no sudeste e no nordeste do Brasil. Em São Paulo choveu durante 50 dias. O Rio de Janeiro e a Bahia estão tendo sérios problemas com enchentes. Muitos mortos e desabrigados. O sul do Brasil, onde vivemos, por ora, não está tendo problemas com a metereologia e o clima. Vamos aguardar o inverno.

    Morar na África deve ter sido uma experiência fantástica. Conheci um sacerdote católico de Moçambique veio estudar em Porto Alegre. Relatou-nos que existe um grande esforço no país para reconstruí-lo após 16 anos de guerra civil. Entre esses esforços está a mudança de algumas práticas tribais, como a poligamia, que está favorecendo a proliferação da sida. A cultura cristã e européia está contribuindo consideravelmente para a redução de infectados nas comunidades cristãs em virtude de promover a monogamia.

    Esse processo de inculturação não está desnaturando a cultura moçambicana, mas a elevando colocando sempre como centro a pessoa humana e a sua dignidade que lhe é intrínseca. A inculturação é sempre uma proposta e nunca uma imposição. E como proposta tem-se sempre a liberdade de escolher. É isso que defendemos: que as culturas possam dialogar e livremente fazerem suas escolhas. A Europa é um modelo disso, centro da civilização ocidental, se constituiu a partir da interação das culturas judaico-cristã e greco-romana.

    Podemos citar também o Brasil como uma realidade de amálgama de culturas e raças. Em 1980 57% da população brasileira era de negros vindos da África na condição de escravos. Hoje representam apenas 6,8%, onde 48,4% são brancos, 43,8 pardos e 0,9 de índios.

    Como se pode ver, além de ocorrer a formação de uma nova cultura com todos os seus componentes característicos , a cultura brasileira, com origem na África, Europa e nos índios que cá estavam, temos ainda a sua consolidação também no povo miscigenado.

    Ficamos felizes em conhecê-los através do nosso blog. Torço para que em breve possamos nos conhecer pessoalmente. Não conhecemos as pessoas citadas, mas não faltará oportunidade quando da vinda de vocês a Porto Alegre.

    Beijos

    ResponderExcluir
  7. Vivo e trabalho há 36 anos com um povo indígena que tem 40 anos de contato e a minha opinião à respeito da construção da hidrelétrica e de todas as consequências que ela pode levar a estes povos é a seguinte:
    1)- Eles têm o direito de saber sobre as transformações que ocorrerão em seu habitat e nas suas vidas para poderem escolher. ( O Povo com quem trabalho e conheço À fundo afirma sempre que eram muito mais felizes antes do contato)
    2) - Quem ainda acredita que desenvolvimento nos moldes que ocorrem em nossa sociedade é sinal de bem estar, felicidade e melhoria de vida?

    O grande problema destas invasões na vida de povos autônomos (que não necessitam de toda esta parafernália que necessitamos para viver)é que eles não têm idéia do que virá e por isto não têm sequer o direito de escolher se querem ou não a mudança drástica.

    ResponderExcluir