quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O ERRO DE FOUCAULT

Você sabia que o pensador da nova esquerda Michel Foucault foi um forte simpatizante da revolução fanática iraniana de 1979? Sim, foi sim, apesar de seu séquito na academia gostar de esconder esse "erro de Foucault" a sete chaves.

Fico impressionado quando intelectuais defendem o Irã dizendo que o Estado xiita não é um horror.

O guru Foucault ainda teve a desculpa de que, quando teve seu "orgasmo xiita", após suas visitas ao Irã por duas vezes em 1978, e ao aiatolá Khomeini exilado em Paris também em 1978, ainda não dava tempo para ver no que ia dar aquilo.

Desculpa esfarrapada de qualquer jeito. Como o "gênio" contra os "aparelhos da repressão" não sentiu o cheiro de carne queimada no Irã de então? Acho que ele errou porque no fundo amava o "Eros xiita".

Mas como bem disse meu colega J. P. Coutinho em sua coluna alguns dias atrás nesta Folha, citando por sua vez um colunista de língua inglesa, às vezes é melhor dar o destino de um país na mão do primeiro nome que acharmos na lista telefônica do que nas mãos do corpo docente de algum departamento de ciências humanas. E por quê?

Porque muitos dos nossos colegas acadêmicos são uns irresponsáveis que ficam fazendo a cabeça de seus alunos no sentido de acreditarem cegamente nas bobagens que autores (como Foucault) escrevem em suas alcovas.

No recente caso da USP, como em tantos outros, o fenômeno se repete. O modo como muito desses "estudantes" (muitos deles nem são estudantes de fato, são profissionais de bagunçar o cotidiano da universidade e mais nada) agem, nos faz pensar no tipo de fé "foucaultiana" numa "espiritualidade política contra as tecnologias da repressão".

E onde Foucault encontrou sua inspiração para esse nome chique para fanatismo chamado "espiritualidade política"?

Leiam o excelente volume "Foucault e a Revolução Iraniana", de Janet Afary e Kevin B. Anderson, publicado pela É Realizações, e vocês verão como a revolução xiita do Irã e seu fascínio pelo martírio e pela irracionalidade foram importantes no "último Foucault".

As ciências humanas (das quais faço parte) se caracterizam por sua quase inutilidade prática e, portanto, quase impossibilidade de verificação de resultados.

Esse vazio de critérios de aplicação garante outro tipo de vazio: o vazio de responsabilidade pelo que é passado aos alunos.

Muitos docentes simplesmente "lavam o cérebro" dos alunos usando os "dois caras" que leram no doutorado e que assumem ter descoberto o que é o homem, o mundo, e como reformá-los. Duvide de todo professor que quer reformar o mundo a partir de seu doutorado.

Não é por acaso que alunos e docentes de ciências humanas aderem tão facilmente a manifestações vazias, como a recente da USP, ou a quaisquer outras, como a dos desocupados de Wall Street ou de São Paulo.

Essa crítica ao vazio prático das ciências humanas já foi feita mesmo por sociólogos peso pesado, em momentos distintos, como Edmund Burke, Robert Nisbet e Norbert Elias.

Essa crítica não quer dizer que devemos acabar com as ciências humanas, mas sim que devemos ficar atentos a equívocos causados por essa sua peculiar carência: sua inutilidade prática e, por isso mesmo, como decorrência dessa, um tipo específico de cegueira teórica. Nesse caso, refiro-me ao seu constante equívoco quanto à realidade.

Trocando em miúdos: as ciências humanas e seus "atores sociais" viajam na maionese em meio a seus delírios em sala de aula, tecendo julgamentos (que julgam científicos e racionais) sem nenhuma responsabilidade.

Proponho que da próxima vez que "os indignados sem causa" ocuparem a faculdade de filosofia da USP (ou "FeFeLeCHe", nome horrível!) que sejam trancados lá até que descubram que não são donos do mundo e que a USP (sou um egresso da faculdade de filosofia da USP) não é o quintal de seus delírios.

Agem com a USP não muito diferente da falsa aristocracia política de Brasília: "sequestram" o público a serviço de seus pequenos interesses.

No caso desses "xiitas das ciências humanas", seus pequenos delírios de grande "espiritualidade política".

Luiz Felipe Pondé

Fonte: 
http://www.paulopes.com.br/2011/11/ciencias-humanas-e-seus-atores-sociais.html

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

"A festa e a cruzada", de Vargas Llosa

Duas grandes e boas surpresas vindas da Europa no mês de agosto:
  • a enorme concentração de jovens em Madri - quase 2 milhões - para ver e ouvir o Papa Bento XVI, durante a Jornada Mundial da Juventude;
  • e o artigo que Mário Vargas Llosa, agnóstico, publicou no jornal El País sobre o mesmo evento.
Não posso deixar de publicar o link. O texto é instigante!
Confiram em:
http://www.elpais.com/articulo/opinion/fiesta/cruzada/elpepiopi/20110828elpepiopi_13/Tes

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

TEOLOGIA DE RATZINGER É CRÍTICA À MODERNIDADE



Luiz Felipe Pondé, Folha de S. Paulo, 24/04/05
ESPECIAL PARA A FOLHA
Bento 16 é um intelectual. Homens bem intencionados, articulados, midiáticos, tímidos, honestos, “conservadores” ou “progressistas”, podem ou não ser intelectuais. Se o forem, a percepção que temos deles demandará maior esforço cognitivo - esta característica pode se tornar, muitas vezes, um problema para a informação e para o entendimento.
Alguns analistas já apontaram para o fato de que Bento 16 deverá ter dificuldades no relacionamento com a mídia e o “rebanho”. João Paulo 2º não era um intelectual. Aqui já surge uma diferença importante para aqueles que pensam que nada muda, pelo menos no plano da trama teológica teórica e prática, invisível a instrumentos grosseiros de análise. O perfil intelectual pode ser definido, entre outras formas, por uma tendência a ver o mundo de um modo mais complexo. A questão é: em qual dimensão este fato influencia na passagem de uma atividade essencialmente teórica e reflexiva para uma de cunho mais pastoral e dominada pela lógica empírica miúda e cotidiana?
Sabemos que a pastoral hoje em dia flerta abertamente com a “inteligência do marketing” e, por isso mesmo, assume a forma da razão publicitária, seja em seu conteúdo “progressista ou conservador” - há uma clara atmosfera de consciência empresarial da fé: quem converte mais? O que o pensamento de Ratzinger parece indicar é que o processo de contágio da religião cristã pelas manias do secularismo moderno pode ser detectado em várias frentes.
O novo papa não é um intelectual cujo mote é medo de não agradar. Numa atitude pastoral, esse traço parece ser contraditório, a menos que esteja imerso numa articulação teológica que o sustente e organize. A teologia de Ratzinger é uma crítica aberta à ditadura da modernidade e, neste processo, às “soluções” pseudo-religiosas (no entendimento dele) para “a questão religiosa”.
Santo Agostinho pode ser muito mais nosso contemporâneo do que o último guru espiritual correto ou o último teólogo transteológico. Chamá-lo de “conservador” é má fé (razão estratégica), barateamento da discussão ou simples falta de repertório. Mas, na “democracia real”, esse processo de barateamento pode ser estrutural.
Evidentemente que atitudes não se dão no vazio dos laços sociais. A democracia como comportamento generalizado, associada a uma economia calcada na idéia de produção industrial e regida pela lógica do desejo, parece tender, desde suas origens no século 19, para um cenário pouco dócil às necessidades estruturais e dinâmicas de um pensamento que não se faz facilitador: não é fácil encontrarmos no vaivém infernal da democracia moderna produtivista - isto é, orientada por um “ethos” da eficácia - os espaços que propiciam os movimentos delicados e sutis de uma reflexão que exige maior repertório metodológico e conceitual.
O risco de resvalarmos para a banalização é enorme: o novo papa foi nazista (quem não teria servido o exército então? Era uma guerra…). Ele é um conservador retrógrado que é contra mulheres e homossexuais. Relativizar dogmas, tudo bem, mas só na casa do vizinho! Não haverá perda no diálogo com os avanços da ciência? Como se andar em linha reta sempre para frente fosse evidente indicação de avanço e como se dialogar fosse sinônimo de submissão ao encantamento da lógica ruidosa da eficácia. A agenda moderna não será preterida?
Para Bento 16, a “agenda” não é moderna, mas sim eterna. Quem consegue lidar facilmente com uma categoria de tempo que por definição exclui e supera a noção empobrecida de temporalidade? Uma solução é fugir, fingindo que tudo é ideologia…
Na obra “O Sal da Terra” (Ed. Imago), de 1996, podemos ter alguns indícios de como Ratzinger pensa questões como essas, entre outras tantas. Obra já madura, nela temos a chance de ver de modo articulado e coloquial (trata-se de uma longa entrevista) a evolução de seu pensamento teológico no enfrentamento de diversas questões essenciais.
Uma experiência marcou a vida do novo papa: voltando para a Alemanha após o período do Vaticano 2º, e assumindo a atividade docente, um dia foi interrompido por alunos que tomaram seu microfone em meio à aula sem pedir licença. O professor Ratzinger ali percebeu que algo estava se passando e que cuidados eram necessários com o chamado processo de modernização.
Um dos temas caros à reflexão de Ratzinger é a dissolução da experiência litúrgica graças ao deslocamento do lugar da relação entre culto e comunidade dentro da dinâmica eclesial. Segundo ele, muitos católicos confundem a relação entre fé e prática litúrgica na medida em que parecem crer que o “formato” da liturgia é objeto de decisão comunitária, como numa pesquisa de opinião pública.
Essa temática é diretamente descendente da pressão pela dissolução das estruturas hierárquicas em favor de um “democratismo das bases”. Para Ratzinger, parece haver um “instinto antidiscernimento” na condição contemporânea. Não é o fiel o “ponto de partida” da experiência litúrgica, mas a Revelação, mediada pelos mistérios sacramentais.
O viés democratista das bases tende a perder de vista este fato, porque no fundo é fruto do processo dissolutivo do relativismo anômico (por isso opera em baixo discernimento) e do secularismo autoritário, e o resultado é a perda da espessura mística do culto em favor de uma semelhança com shows (no nosso caso) de música popular “ao alcance de todos”. Prova deste autoritarismo é o mal entendimento de que escolher formas “antigas” de liturgia (pré-conciliares, Vaticano 2º) seja signo de “reacionarismo”.
O rompimento da idéia de pastoral como sedução por atração também é fruto de sua reflexão teológica. Imagens como “oásis no deserto”, “fortaleza no alto”, “grãos de sal da terra”, todas remetem para um distanciamento da idéia de uma teologia “da Igreja triunfante”. Não operar dentro das categorias da razão publicitária - termo meu - pode tornar alguém quase irracional.
Para Ratzinger a antropologia agostiniana que vê o homem como um ser que gira ao redor de uma natureza danificada pelo pecado é muito mais empírica do que os modos de pseudodignidade antroponômicas. Isso dá um tom “pessimista” à sua reflexão antropológica, que diante da regra de “respeito às sensibilidades sociais”, parece uma heresia. O homem deve julgar a si próprio menos como agente de sua própria salvação e mais como agente de sua perda -não por um trauma masoquista, mas antes de tudo por propedêutica metodológica.
Atitudes como essa aparece também na sua crítica a preguiça travestida de “amor pela paz” de muitos bispos: segundo Ratzinger, o medo de conflitos leva muitos bispos e padres à preguiça mental e prática. Referindo-se ao seu tempo de bispo na Alemanha, ele reconhece como é difícil não se calar e optar pelo silêncio fácil. Trata-se do veneno silencioso que corrói a própria estrutura da comunidade. Inocula-se a preguiça em nome da paz.
Todavia, uma crítica como esta pode ser facilmente cooptada pela bancada secular da igreja (aqueles que pensam que a igreja deve buscar sua teologia nos livros de Marx, Feuerbach, Nietszche ou Foucault): essa chamada pelo enfrentamento dos conflitos é na realidade um discurso de poder, diriam os “socioteólogos”.
O interessante é que só o outro é que faz o discurso do poder: é o lado em que você está que determina se sua causa é justa ou manipuladora. Ratzinger recusa em bloco a “teoria do poder em toda parte” e a identifica como uma das formas de dissipação da capacidade humana de discernir as coisas. Se não há nada além do que “power politics”, não há nada a fazer.
Seu repetido discurso acerca da importância da liturgia para a teologia indica sua compreensão, dita em termos filosóficos, de que transformações ontológicas (ou existenciais) são operadas no momento litúrgico que abrem para o ser humano uma experiência de Deus. Quando o indivíduo vive uma religião que tende para mera instituição social, a liturgia se transforma em algo que repete o mundo secular “ad infinitum”.
A condenação do padre austríaco Gotthold Hasenhöttl é uma boa oportunidade para compreender suas reflexões no plano prático. Segundo Ratzinger, o erro de Hasenhöttl (dar comunhão a não batizados) era na realidade função de erro teológico: para ele, Deus não é uma realidade existente em si, mas um evento para encontros entre seres humanos.
Esse tipo de teologia dissipativa, está no foco de suas críticas ao relativismo teológico de autores como John Hick, entre outros, e nos leva às aporias do diálogo entre diferentes religiões. Ratzinger dirá que não há como não destituir o cristianismo de Cristo (cristianismo acristológico) se tivermos que aceitar realidades indistintas e cósmicas, panteístas, aos moldes da Índia.
As tentativas de manter a religião nos limites da razão natural e achar que Kant salvou o cristianismo, marcando as diferenças entre Deus (um ser fora das categorias a priori de sensibilidade) e Jesus (encarnado e, portanto, um ser limitado às categorias a priori da sensibilidade, e por isso puro fenômeno descartável teologicamente porque meramente empírico) é para Ratzinger erros semelhantes da teologia da libertação.
Uma característica do humanismo moderno é essa tendência de buscar referências extrabíblicas e fora da tradição cristã para a atividade hermenêutica ou exegética. Por exemplo, o feminismo deságua numa agenda que impõe à Bíblia conteúdos que nela inexistem ou simplesmente nega a validade bíblica em favor da emancipação secular. Para Ratzinger, alguém pode até pensar assim, mas nada há de cristão ou católico nisso, e o melhor é que “vá embora”.
O processo de dissipação do cristianismo a serviço da instalação de modelos orientais, chega, por exemplo, à assimilação do budismo como método de auto-erotismo pseudoespiritual, na medida em que o eu é uma fonte de gozo sem obrigações reais no mundo. Ratzinger pensa que muitos católicos hoje vêem a sua fé em desvantagem porque ela tem um discurso de responsabilidade muito explícito, e a sensibilidade contemporânea, fruto de sistemas de pensamento que escondem sua verdadeira filiação (os ídolos do mundo caído: amor pela matéria, pelo conhecimento vão e pelo orgulho), materializada, por exemplo, num canto pela sexualidade orgasmática e estéril, pouco fecunda, não agüenta tamanha pressão moral.
Quando ataca os instrumentos culturais como grandes sessões de rock’n'roll a serviço da fé, Ratzinger tem isso em mente: o cristianismo não é uma religião da liberação do ônus da consciência, mas o contrário, da consciência como instrumento que ilumina a percepção de Deus.
Uma outra frente de crítica é aos diversos tipos de hegelianismos, da história como lei de redenção até a transvaloração nietzscheana como salvação que passa pelo gozo infinito do eu. Ratzinger diz que espera que tenhamos aprendido como modelos de redenção baseados em revoluções violentas (como a do líder Barrabás, no evangelho, de Hitler, Stálin, Fidel etc.) só geram tragédias em escala gigantesca. “Leis da história” não existem, são uma bobagem do socialismo pseudocientífico, retórica a serviço da violência.
Quando teólogos distantes da espiritualidade da igreja se confundem e pensam que o Zeitgeist (espírito da época ou do tempo) é um critério possível para uma instituição que tem sua raiz no sobrenatural (por isso a história pode até ser matéria de preocupação, mas o “ponto de vista”, diria quase o objeto formal, é sempre sua participação no corpo místico, participação essa que é muito mais da ordem da liturgia, dos sacramentos, da vida em comunidade permeada por estes e pela experiência da Revelação), nascem híbridos como a teologia da libertação, que apesar de ter em si germes do cristianismo (a recusa da pobreza e da injustiça), acabam se transformando em mera facção socialista.
Estes teólogos caem em erros de utilizarem referenciais hermenêuticos que, no limite, produzem a exclusão de Deus. Na relação teórica entre teologia da libertação e marxismo, é aquela que é parasitária. O marxismo não precisa de qualquer teologia (mesmo a que está mais perto dele do que de Deus) para fazer seu trabalho (a não ser como conteúdo retórico). Confunde-se o carisma profético da igreja com uma teoria secular datada. Não há sintonia entre o tempo secular e a vocação profética, essa extemporaneidade é figura da eternidade em diálogo com o tempo.
As interpretações seculares de Deus, como a teologia da libertação, só podem degenerar em visões materialistas do tipo “a Alemanha está mais perto do Reino de Deus que o Brasil porque tem água encanada e distribuição de renda mais igualitária e escola pública”, ou “Deus é a natureza ou o Amor por tudo” -esta forma mais típica do cruzamento com espiritualidades da Nova Era.
As formas de relativismo que cruzam com um culto da subjetividade hedonista também são modos de neopaganização. No fundo, o indiscernimento relativista leva ao individualismo ou ao multiculturalismo oba-oba. Duas questões se cruzam aqui.
Uma que é a da exclusão do sofrimento, tudo é relativo menos meu prazer, e, no plano religioso, significa um deus que serve ao meu eu. Outra que é da própria dinâmica do relativismo que é sua aporia da tolerância por anomia conceitual: a idéia de que não há a possibilidade de que pessoas ou sistemas de idéias ou religiões estejam erradas é infantil. Não é por acaso que frases como “cada um é cada um” são instrumentos de suspensão de pensamento a serviço da preguiça, utilizados largamente por adolescentes irritados diante da demanda de discernimento.
De novo, paz e preguiça mesclados a serviço da anomia. O medo atávico de guerras religiosas nos condena a todos ao imobilismo intelectual. O fato de existirem várias religiões não implica que estejam todas certas. No caso específico do catolicismo, é interessante perceber como todas parecem melhor do que ela, ou merecem menos crítica do que ela. Senso comum é comum nesse assunto como critério suficiente de conhecimento. Diria até que basta falar mal da igreja, acrescentar um pouco de sexo e ter mulheres poderosas como heroínas, para se atingir o sucesso.
Em 1999, num discurso sobre a relação entre lei e ordem em Roma, Ratzinger lembrou seus anos de nacional-socialismo e comentou que era interessante como agora (após os anos 50), a idéia de se estabelecer critérios era vista como “ato fascista”, e que durante os anos do nazismo era o contrário: os cidadãos eram convocados a agir a partir de seus sentimentos “livres e verdadeiros” e não a respeitar as leis estabelecidas.
Vivemos hoje uma clara tendência a uma sensibilidade disseminada em critérios fluidos. Ratzinger vê como um sinal de dissolução o fato da moral hoje ser pensada a partir da lógica de somatório de opiniões, como um consenso de sensibilidades. Evidentemente que essa idéia se parece muito com a noção de que se trata de uma contabilidade de concupiscências estabelecendo contratos.
A teologia de Ratzinger não é um “creio porque é absurdo”, aos moldes de Tertuliano, mas “creio para compreender”, aos moldes de Agostinho. O aparente pessimismo pode ser apenas rigor. No fundo, há sentido, mas há que pensar e contar com a misericórdia de Deus. Os seres humanos gostam de ser acalentados na sua fragilidade estrutural. Quando pessoas nos dizem coisas duras, sofremos. Por isso hoje tendemos a optar por maus pedagogos, mas que mentem para nós, e deuses que nos obedecem em nossa volúvel espiritualidade à venda.
Luiz Felipe Pondé é professor de filosofia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), da Faculdade de Comunicação da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e professor-pesquisador convidado da Universidade de Marburg (Alemanha). É autor, entre outros, de “Conhecimento na Desgraça” (Edusp) e “Crítica e Profecia, filosofia da religião em Dostoiévksi” (Ed. 34).
Fonte: http://www.eagora.org.br/arquivo/Teologia-de-Ratzinger-crtica-modernidade-

UM PINGUIM NO DESERTO




Omitirei, neste relato, a identificação dos personagens e do local onde ocorreu o diálogo que me levou a este artigo. Direi, apenas, que era um programa de rádio e que o assunto surgiu durante um intervalo comercial. Não foi ao ar, portanto.

Aos fatos. Enquanto a emissora cuidava de seus interesses, um dos participantes do programa, dirigindo-se a mim, afirmou: "Puggina, é inegável que tua posição está baseada na moral cristã". Disse-o como se estivesse apontando um pinguim no Saara. Retruquei que isso era uma obviedade posto que o assunto em pauta envolvia considerações de ordem moral e a minha moral tinha, com efeito, fundamento cristão. 

E aproveitei para perguntar em que se baseava a posição moral que ele estava defendendo. Respondeu-me: "Os direitos humanos. São os direitos humanos".

 Argumentei que direitos humanos não podem ser fundamentos de uma moralidade, posto que eles mesmos requerem algum fundamento anterior, a partir do qual os direitos humanos se distinguissem dos direitos dos animais, por exemplo. Diante disso, meu interlocutor deu sinais de surpresa. "Não estou te entendendo", disse. 

Dado que nesse momento, outro participante do programa interveio usando a expressão "dignidade da pessoa humana" (que eu estava vendo se extraía espontaneamente do meu interlocutor), ele agarrou a expressão com as duas mãos: "É a dignidade da pessoa humana".

Chegáramos ao ponto que eu queria: "E em que se fundamenta a dignidade da pessoa humana, meu caro?". Ele voltou a dizer que não estava me entendendo e eu a lhe perguntar se as pessoas e os animais eram portadoras da mesma dignidade. Infelizmente, com o término do intervalo comercial, apenas tive tempo lhe recomendar que meditasse sobre essa questão: em que se fundamenta a dignidade da pessoa humana?

Estou convencido de que a única resposta capaz de preencher todos os requisitos filosóficos e de viabilizar corretos parâmetros morais à nossa existência é a que integra a Revelação e a subsequente tradição judaico-cristã: o homem é imago Dei! Imagem de Deus. Com ela e por ela todos somos iguais em essência e dignidade, a despeito das infinitas diferenças. Sem ela, nos tornamos vítimas em potencial das diferenças. No encontro dessa verdade de fé com a sã filosofia, nasce o Direito Natural, vertente de quanto há de valioso no moderno constitucionalismo.

De alguma leitura e muita conversa, sei para onde provavelmente apontará a reflexão daquele meu interlocutor se fizer o que lhe pedi. Ele fundamentará a dignidade da pessoa humana na liberdade. Ora, a liberdade pode ser uma expressão visível dessa dignidade. É um valor moral e um atributo do ser humano. Não serve como vertente de sua dignidade. 

Tomada a liberdade como fundamento moral absoluto, a dignidade humana convive, por exemplo, com o aborto, a despeito da agressão que representa à dignidade e à vida do feto. 

É o que já acontece nos países ocidentais cujo Direito vem abandonado as raízes do Direito Natural para adotar o relativismo moral. Este tem fundamentos que repousam na combinação da liberdade com o querer sem limites e transformam a consciência num desconforto a ser removido, numa espécie de verruga que se instala na alma humana. 

Entre os muitos resultados dessa conduta, que se vai tornando dominante, ao expor convicção moral oposta, o sujeito passa a ser visto como um pinguim no deserto.
          ______________
Percival Puggina (66) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O MUNDO ESTILHAÇADO E A MORTE LIBERTADORA

Luiz Felipe Pondé


"SE DEUS não existe e a alma é mortal, tudo é permitido" é um enunciado profundamente racional. Não se trata do lamento de uma mente frágil. Os Karamazov são especialistas na pureza da razão teórica e prática. Movimentam-se em direção aos exageros da "função razão": o objetivo é fundamentar o mundo pela sua decomposição e posterior reconstrução conceitual abstrata. Só que eles não encontram esse fundamento. Ao contrário, percebem a realidade despedaçada do mundo. O "tudo é permitido" emerge dos estilhaços do mundo. A razão de Ivan Karamazov (muito próxima da que o ceticismo e a sofística conhecem) percebe a vacuidade de qualquer imperativo ético universal: o mundo é estilhaçado pela liberdade que a morte nos garante. Sem Deus, perde-se a forma absoluta do juízo moral: estamos sós no universo como animais ferozes que babam enquanto vagam pelo deserto e contemplam a solidão dos elementos. A morte, que devolverá a humanidade ao pó, é o fundamento último do nosso direito cósmico ao gozo do mal. Esse ciclo nos liberta da única forma verdadeira de responsabilidade, a infinita. A moral é mera convenção e não está escrita na poeira das estrelas. O filósofo Karamazov descreve o impasse ético por excelência: por trás do blablablá socioconstrutivista do respeito ao "outro", o niilismo ri da razão. Na crítica à teoria utilitarista do meio (social) em "Crime e Castigo", Dostoiévski já apontara o caráter "científico" da revolução niilista fundamentada nas ciências sociais: se tudo é construído, toda desconstrução é racionalmente permitida. Além de desconstruir, sabemos construir? O homem pode ser a forma do homem? A modernidade achou que sim. Kant pensou que, com seu risível imperativo categórico, nos salvaria, fundando a racionalidade pura da moral. Conseguiu apenas a exclusão cotidiana de toda forma de homem possível. A miserável ética utilitarista (a ética do mundo possível), síntese da alma prática que só calcula, busca na universal obsessão humana pelo prazer a fundamentação de uma ética para homens, cuja forma universal são os merceeiros ingleses (Marx). O humanismo rousseauniano apostou na educação para a felicidade e virou auto-ajuda. Contra a fé em Kant e na economia, Dostoiévski descreve nos "Demônios" a trindade que funda o projeto do homem pelo homem: o jovem melancólico sem subjetividade (Nicolai, o existencialista elegante), o pai e professor preguiçoso e "sensível" (Stiépan, o amante das modas revolucionárias em educação, poesia e ciência) e o filho niilista cínico (Piotr, o patrono dos jacobinos, dos marxistas e dos cientistas da economia prática, esses burocratas da violência). Entender esse enredo como desespero de uma alma religiosa é senso comum banal. A banalização é um dos modos corriqueiros de a modernidade lidar com o que não conhece (e ela conhece muito pouco de tudo, mas é tagarela e ama o superficial, como diria Tocqueville). A falácia comum é a suposição de que o intelecto teológico necessariamente teme o sofrimento. O único medo em Dostoiévski é aquele mesmo de Cervantes: "O medo tem muitos olhos e vê coisas no subsolo". O erro de Nietzsche quando reduz a religião ao ressentimento se transformou em "papo cabeça". O argumento dos Karamazov é um diagnóstico, não uma oração pela salvação do homem: o sentimento real de que deslizamos aceleradamente sobre fina casca de gelo mortal é prova sublime do seu caráter profético. A história aqui nos basta. Dostoiévski anuncia a comédia trágica daqueles que deixaram de acreditar em Deus e, por isso mesmo, passaram a acreditar em qualquer reforma barata. Contrariamente ao que pensava a risível crítica moderna da religião, o contato com Deus fortalece o intelecto nas mais íntimas estruturas lógicas e práticas de sua natureza. 


Fonte: http://www.cienciaefe.org.br/jornal/ed87/mt03.html

quarta-feira, 20 de julho de 2011

DO PROF. IVES GANDRA

Branco, honesto, contribuinte, eleitor, hetero... Pra quê?
Ives Gandra da Silva Martins
Hoje, tenho eu a impressão de que o "cidadão comum e branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se autodeclarem  pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.
Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.
Os índios, que, pela Constituição (art. 231), só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei  infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território  nacional, enquanto os outros 185 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele.. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados.
Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não  os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades,  tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.
Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma  Roussef o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências -algo que um cidadão comum jamais conseguiria!
Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num  reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente  em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem esse 'privilégio', porque  cumpre a lei.
Desertores, assaltantes de bancos e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' aqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.
E são tantas as discriminações, que é de perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º ("promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação") da Lei Suprema?
Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios.
(Ives Gandra da Silva Martins é renomado professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

DONA MORTE EM UM DIA DE ABRIL

MAURICIO DE SOUZA HOMENAGEIA KAROL WOJTYLA
(http://www.monica.com.br/historias-antologicas/papa)


A TENTAÇÃO TOTALITÁRIA

Luiz Felipe Pondé 
Folha de SP – 18.07.2011
VOCÊ se considera uma pessoa totalitária? Claro que não, imagino. Você deve ser uma pessoa legal, somos todos.
Às vezes, me emociono e choro diante de minhas boas intenções e me pergunto: como pode existir o mal no mundo? Fossem todos iguais a mim, o mundo seria tão bom... (risadas).
Totalitários são aqueles skinheads que batem em negros, nordestinos e gays.
Mas a verdade é que ser totalitário é mais complexo do que ser uma caricatura ridícula de nazista na periferia de São Paulo.
A essência do totalitarismo não é apenas governos fortes no estilo do fascismo e comunismo clássicos do século 20.
Chama minha atenção um dado essencial do totalitarismo, quase sempre esquecido, e que também era presente nos totalitarismos do século 20.
Você, amante profundo do bem, sabe qual é? Calma, chegaremos lá.
Você se lembra de um filme chamado "Um Homem Bom", com Viggo Mortensen, no qual ele é um cara legal, um professor universitário não simpatizante do nazismo (o filme se passa na Alemanha nazista), e que acaba sendo "usado" pelo partido?
Pois bem. Neste filme, há uma cena maravilhosa, entre outras. Uma cena num parque lindo, verde, cheio de árvores (a propósito, os nazistas eram sabidamente amantes da natureza e dos animais), famílias brincando, casais se amando, cachorros correndo, até parece o Ibirapuera de domingo.
Aliás, este é um dos melhores filmes sobre como o nazismo se implantou em sua casa, às vezes, sem você perceber e, às vezes, até achando legal porque graças a ele (o partido) você arrumaria um melhor emprego e mais estabilidade na vida.
Fosse hoje em dia, quem sabe, um desses consultores por aí diria, "para ter uma melhor qualidade de vida".
E aí, a jovem esposa do professor legal (ele acabara de trocar sua esposa de 40 anos por uma de 25 -é, eu sei, banal como a morte) o puxa pelo braço querendo levá-lo para o comício do partido que ia rolar naquele domingão no parque onde as famílias iam em busca de uma melhor qualidade de vida.
Mas ele não tem nenhuma vontade de ir para o comício porque sente um certo "mal-estar" com aquilo tudo. Mas ela, bonita, gostosa, loira, jovem e apaixonada (não se iluda, um par de pernas e uma boca vermelha são mais fortes do que qualquer "visão política de mundo"), diz: "meu amor, tanta gente junta querendo o bem não pode ser tão mal assim".
É, meu caro amante do bem, esta frase é uma das melhores definições do processo, às vezes invisível, que leva uma pessoa a ser totalitária sem saber: "quero apenas o bem de todos".
Aí está a característica do totalitarismo que sempre nos escapa, porque ficamos presos nas caricaturas dos skinheads: aquelas pessoas, sim, se emocionavam e choravam diante de tanta boa vontade, diante de tanta emoção coletiva e determinação para o bem.
Esquecemos que naqueles comícios, as pessoas estavam ali "para o bem".
Se você tem absoluta certeza que "você é do bem", cuidado, um dia você pode chorar num comício achando que aquilo tudo é lindo e em nome de um futuro melhor.
E se essa certeza vier acompanhada de alguma "verdade cientifica" (como foi comum nos totalitarismos históricos) associada a educadores que querem "fazer seres humanos melhores" (como foi comum nos totalitarismos históricos) e, finalmente, se tiver a ambição política, aí, então, já era.
Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo.
O que move uma personalidade totalitária é a certeza de que ela está fazendo o "bem para todos", não é a vontade de destruir grupos diferentes do dela.
Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do "bem total", depois você vira autoritário em nome desse bem total.
O melhor antídoto para a tentação do totalitarismo não é a certeza de um "outro bem", mas a dúvida acerca do que é o bem, aquilo que desde Aristóteles chamamos de prudência, a maior de todas as virtudes políticas.
Não confio em ninguém que queira criar um homem melhor. 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Desde pequeno...









De Quino (criador de Mafalda)

JANTARES INTELIGENTES

LUIZ FELIPE PONDÉ, na Folha

VOCÊ JÁ foi a um jantar inteligente? Jantares inteligentes são frequentados por psicanalistas, artistas plásticos, músicos, atores, jornalistas, publicitários (com a condição de falar mal da publicidade), médicos (esses porque, como é sempre chique ser médico, não se dispensa médicos nunca), produtores, "videomakers", antropólogos, sociólogos, historiadores, filósofos.
Administrador de empresa não pega bem (a menos que tenha um negócio sustentável). Engenheiros, coitados, só vão se forem casados com psicanalistas que traduzem pra eles esse mundo de gente inteligente. Advogados podem ir porque é sempre necessário um cínico inteligente em qualquer lugar. Pedagogas, só se casadas com esses advogados e por isso talvez consigam bancar amizades chiques assim.
Ricos são sempre bem-vindos apesar de gente inteligente fingir que não gosta de dinheiro. Pobre só se for na cozinha, mas são super bem tratados. Claro, tem que ter um amigo gay feliz.
Essa gente é descoladíssima. Seus filhos estudam em escolas de esquerda, claro, do tipo que discute o modelo cubano de economia a R$ 2 mil por mês.
Quando viajam ficam em lugares que reúne natureza "pura", tradição (apenas como "tempero do ambiente") e pouca gente (apesar de jurarem ser a favor da democracia para todos, só gostam de passar férias onde o "povo" não vai).
Detalhe: é essencial achar todo mundo "ridículo" porque isso faz você se sentir mais inteligente, claro.
Quanto à religião, católica nem pensar. Evangélicos, um horror. Espírita? Coisa de classe média baixa. Budista, cai muito bem. Judaica? Uma mãe judia deixa qualquer um chique de matar de inveja. Judaísmo não é religião, é grife.
Mas o que me encanta mesmo são as "atitudes" que se deve ter para se frequentar jantares inteligentes assim. Claro, não se aceita qualquer um num jantar no qual papo cabeça é o antepasto.
Quer saber a lista de preconceitos que pessoas inteligentes têm? Qualquer um desses "gestos" abaixo você pode ter, que pega bem com comida vietnamita ou peruana.
1) A Igreja Católica é um horror e o papa Bento 16 é atrasadíssimo. Claro que não vale ter lido de fato nada do que ele escreveu;
2) Matar Osama bin Laden sem julgamento foi um ato de violência porque terroristas são pessoas boazinhas que querem negociar a paz em meio a criancinhas;
3) Ter ciúmes é coisa de gente mal resolvida;
4) Se algum dia um gay lhe cantar e você se sentir mal com isso, você precisa rever seus conceitos porque gente inteligente nunca tem mal-estar com coisas assim;
5) Se seu filho for mal na escola, minta. Se alguém descobrir, ponha a culpa na professora, que é mal preparada pra lidar com crianças como seus filhos, que se preocupam com as baleias já aos 11 anos e discutem a África no Twitter;
6) Caso leve seus filhos à Disney, não conte a ninguém, pelo amor de Deus!;
7) Acima de tudo, abomine os Estados Unidos, ache Obama ótimo e vá à Nova York porque Nova York "não são os Estados Unidos";
8) Não seja muito simpático com ninguém porque gente simpática é gente carente e gente assim procura "eye contact" em festas. Um conselho: olhe sempre para um ponto no horizonte. Assim, se alguém falar com você, ela é que é carente;
9) Ache uma situação para dizer que você conhece uma cidadezinha no sul da Itália e lá ficou hospedado na casa de uma amiga brasileira casada com um italiano que defende o direito dos imigrantes africanos e odeia Silvio Berlusconi;
10) O ideal seria se você tivesse passaporte italiano também;
11) Se alguém falar pra você que não dá para pagar direitos sociais e médicos para imigrantes ilegais na Europa, considere essa pessoa um "reacionário de direita", mesmo que você não aceite sustentar alguém que não seja você mesmo e sua família (no caso da família nem sempre, claro);
12) No conflito israelo-palestino, não tenha dúvida, seja contra Israel, mesmo que morra de medo de ir lá e não tenha lido uma linha sequer sobre a história do conflito;
13) Se você se sentir mal com a legalização do aborto, minta;
14) Deixe transparecer que só os outros transam pouco;
15) Seja ateu, mas blasé.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

UMA ENCRUZILHADA PERIGOSA

Há algo de profundamente errado na maneira como vivemos hoje, afirmou Tony Judt, no início de sua obra “O mal ronda a Terra”. Sustentou o falecido historiador inglês que ao longo dos últimos 30 anos a busca por bens materiais, no interesse pessoal, foi considerada uma virtude e que esta própria busca é o que ainda nos resta do nosso sentimento de grupo.Na verdade esse erro tem uma data mais longa e remonta ao Iluminismo que no seu processo mais aprofundado gerou o que chamamos de modernidade, entendendo-a como a dessacralização e racionalização das visões de mundo substituindo-as por valores diversos que antes estavam circunscritos à religião. Cabe destacar que alguns autores alongam ainda mais este tempo ao chamar de “tempos modernos” aqueles que excluem a Antiguidade a partir de 1453, com a queda de Constantinopla.
Entretanto, o que fica evidente é a formação de um antagonismo entre o antigo e o moderno e nasce a ideia de que era possível o homem moderno chegar ao conhecimento e à felicidade sem a necessidade da tutela de um Criador. Houve uma ruptura com a Tradição. Saímos do teocentrismo para o antropocentrismo.
Havia um entendimento de que a felicidade estava compreendida pela prosperidade material e pelo progresso das ciências. Ocorre que está questão retornou ao debate filosófico diante do esgotamento das respostas pelas ciências naturais e humanas.
As decepções em relação às promessas da modernidade iniciam pelo seu discurso científico do século VIII. Nota-se que embora com a evolução da ciência esta nada tem a dizer em relação à vida, seu valor e também à realização espiritual. Também as ciências políticas que avocaram para si encaminhar a felicidade coletiva redundaram nos totalitarismos do século XX. O discurso moral também faliu, pois ele tornou individual e opcional redundando no individualismo e no hedonismo que caracterizam nossas sociedades.
Essa situação esta levando muitos pensadores a indagar se estamos indo “Rumo ao Abismo?”, como Edgar Morin que sustenta que a crise da modernidade tem seu começo na problematização nascida e aprofundada pela própria modernidade que se voltava para Deus, a natureza e o exterior agora se volta para a própria modernidade. Embora ela tenha produzido novos saberes, que revolucionaram o conhecimento, simultaneamente, se desenvolveram capacidades gigantescas de morte.
Na mesma esteira vamos encontrar Gilles Lipovetsky que afirma que tínhamos uma modernidade dilacerada e limitada e agora temos uma modernidade consolidada e reconciliada consigo mesma e seus princípios fundadores, caracterizando o que chama da hipermodernidade numa segunda fase do individualismo, o individualismo total.
Em outros termos, e nova percepção, Bauman vai nos falar da mudança da modernidade sólida, baseada num conjunto estável de valores, modo de vida cultural e político, para uma modernidade líquida onde tudo é volátil, seja a vida em conjunto como familiar, casais, amigos e afinidades políticas.
O que vemos é que a crise do moderno e do pós-moderno nada mais é do que a crise do próprio homem. Essa crise passa necessariamente pela perda de Deus no horizonte da história. A perigosa encruzilhada é o homem optar por trilhar o caminho das soluções para a sua felicidade em si mesmo. Encontrar o caminho correto não é voltar-se apenas para o sagrado, mas para Deus. Como diz São Paulo em Atos 17, 20 “In ipso enim vívimos et movemur et sumus” (De fato, é nEle que vivemos, nos movemos e existimos).

(texto de José Antonio, originalmente publicado em
http://www.mundoalegraivos.com/2011/06/uma-encruzilhada-perigosa.html)

"Game of Thrones"

As chamadas séries de TV, produto de exportação norteamericano, tornaram-se mania nacional entre os assinantes de canais pagos. Recentemente, o canal HBO transmitiu a primeira temporada da série Game of Thrones, baseada em livro homônimo.
Ambientada em uma terra fictícia e atemporal, alguns dos personagens da série parecem com reis e cavaleiros medievais, espécie de senhores feudais guerreiros. Outros personagens são mais semelhantes aos membros das tribos bárbaras da Antiguidade. Há pouquíssima referência à religiosidade na série; quando ocorre, simplesmente cita os “deuses antigos” e dá a entender que habitam a floresta, em contraposição a outros igualmente adorados, nenhum deles com muita ênfase ou freqüência.

Para quem gosta de séries de aventura, “Game of Thrones” é interessante – tem ação, intriga e traição, cenas de batalha, fala de honra e lealdade. Enfim, tem os ingredientes certos para manter o espectador envolvido com o desenrolar dos acontecimentos e com o destino dos personagens.
Mas também (e por isso quis falar de “Game of Thrones” neste blog) é o retrato do que seria a humanidade sem os valores cristãos.
A série tem cenas fortes de sexo, nudez e violência e faz menção a adultério, relacionamentos incestuosos, pedofilia, estupro e morticínio de crianças, mulheres e idosos, traição e assassinato como se tudo isso fosse não só comum, mas também muito natural.
Se quisermos ter uma ideia de como era o mundo antes do cristianismo; ou, pior, se quisermos saber como poderá ficar o mundo se rejeitar e relegar novamente às catacumbas o cristianismo; então, podemos dar uma olhada em “Game of Thrones”.
É suficiente, para quem não gosta desse gênero, assistir um capítulo, apenas. E poderá facilmente constatar tudo isso.
Esperemos que continue a ser apenas uma série de TV, um mundo existente apenas na mente de quem o imaginou e escreveu o livro. Mas, se olharmos atentamente ao que se passa em nosso redor, poderemos ver sinais, indícios claros de muitas pessoas e grupos que gostariam muito que esse mundo – violento, individualista, egoísta, hedonista, incapaz de produzir pessoas virtuosas – se tornasse o nosso.
Veja mais sobre a série em: http://www.hbo.com/game-of-thrones

(texto originalmente publicado em
http://www.mundoalegraivos.com/2011/07/game-of-thrones.html)