segunda-feira, 30 de abril de 2012

A PALAVRA FEIA


Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

Anos atrás, tive o prazer de conhecer o filósofo alemão Peter Sloterdijk. Encontrei com ele algumas vezes em sua casa em Karlsruhe, Alemanha.
Partilhamos o gosto pelo charuto cubano, pelo vinho branco em grandes quantidades, pelo frango que sua esposa faz, pela visão trágica de mundo, pela heresia cristã pessimista conhecida por gnosticismo e pela pré-história. E também por usar palavras feias na filosofia e no debate público.
Cheguei a entrevistá-lo para esta Folha duas vezes. Em uma delas, em 1999, a pauta era a acusação que outro filósofo alemão, Jürgen Habermas, fazia a ele de retomar a palavra "eugenia" em solo alemão.
Eugenia quer dizer criar jovens belos, bons e perfeitos. Esta controvérsia chegou até nós e ficou conhecida com o título do livro causador dela, "Regras para o Parque Humano", publicado entre nós pela editora Estação Liberdade. "Parque Humano" aqui significa parque num sentido quase zoológico.
Nesta peça filosófica, Sloterdijk dizia que o projeto eugênico ocidental é filho de Platão ("A República", por exemplo), e que se ele não deu certo nas engenharias político-sociais utópicas modernas, nem na educação formal propriamente, estava dando certo na biotecnologia e nas tecnologias de otimização da saúde.
Alguém duvida que academias de ginástica, consultoras em nutrição, espiritualidades narcísicas ao portador (como a Nova Era e sua salada de budismo, decoração de interiores e física quântica), cirurgias e tratamentos estéticos, checkups anuais, ambulatórios de qualidade de vida, pré-natal genético e interrupção aconselhada da gravidez de fetos indesejáveis sejam eugenia?
E a primeira causa do impulso eugênico é o fato de que a vida é um escândalo de sofrimento, miséria física e mental.
Mas, a reação a Sloterdijk na época não foi propriamente uma negação de seus postulados (difíceis de serem negados), mas sim uma reação pautada pela covardia filosófica e política diante da palavra feia que ele falava.
Esta palavra feia era sua recusa em negar nossa natureza eugênica e a opção contemporânea pós-nazismo por realizar a eugenia no silêncio de uma razão cínica que nega suas motivações morais: tornar a vida perfeita sem dizer que está fazendo isso.
Ao tentar por "na conta do nazismo" a fala de Sloterdijk, Habermas e seus discípulos fugiam do debate, negando a fuga da agonia humana diante do sofrimento via nossa decisão (silenciosa) de tornar a vida perfeita a qualquer custo, mesmo que esta decisão venha empacotada em conceitos baratos como "qualidade de vida", "felicidade interna bruta" ou "direito a autoestima".
Mas, engana-se quem pensar que Sloterdijk está querendo "aliviar" a intenção eugênica ao remetê-la a miséria estrutural da vida. Sloterdijk é um filósofo trágico, e por isso ele parte da aporia (impasse) da condição humana para pensar sua história, sua moral, sua política.
Sua intenção é trazer à luz aquilo que não se quer trazer à luz, ou seja, que nossa cultura e nossa ciência são eugênicas apesar de dizer que não são. A palavra feia aqui é um grito contra o cinismo dos que negam a intenção eugênica.
Mesmo que alguns intelectuais de esquerda tentem afirmar que o projeto político utópico revive nas mãos dos árabes e suas eleições islamitas, ou da crise do Euro, ou de desocupados que ocupam os espaços públicos dos que têm o que fazer, intelectuais estes que se apropriam de modo quase oportunista das constantes crises que acometem o mundo, sejam elas capitalistas, sejam elas de qualquer outra natureza, a verdadeira "esquerda" hoje é a afirmação do direito humano a ser mestre do seu destino através das ciências biotecnológicas e seu inegável impacto sobre as condições imediatas da vida cotidiana: longevidade, cirurgias transformadoras do corpo "original", vacinas, antibióticos, psicofármacos, contraceptivos, Viagras, terapias genéticas preventivas.
Diante do cinismo, Sloterdijk me disse uma vez que nos restava o "terrorismo pedagógico": dizer palavras feias que as pessoas não querem ouvir em seu sono dogmático.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

"Habemus Papam" - Sete Anos de Eleição do Papa Bento XVI


Guardar a fé, o serviço de Bento XVI
Jorge Ferraz

“Não anunciamos teorias nem opiniões privadas, mas a fé da Igreja da qual somos servidores”, disse na última Quinta-Feira Santa o Papa Bento XVI, que na segunda-feira completou 85 anos de idade e, hoje, comemora sete anos de pontificado. Ele respondia a um manifesto de padres europeus que solicitava, entre outras mudanças na Igreja, a ordenação de mulheres e a possibilidade de divorciados casados em segundas núpcias receberem a Eucaristia.

A idade avançada do Papa faz com que não falte nem mesmo quem insinue – com ares de exigência – que Bento XVI deveria renunciar por não estar mais em condições de governar a Igreja Católica do terceiro milênio. Mas, no último domingo, Bento XVI tornou a pedir que os católicos rezassem por ele, a fim de que ele cumpra a missão que lhe foi confiada. Parte desta missão é o combate ao relativismo, a noção de que valores e verdades são maleáveis de acordo com o tempo e o local. Esta mentalidade permeia tanto o mundo moderno como o interior da própria Igreja, como atesta o Apelo à Desobediência a que o Papa respondeu na Semana Santa.

O papel do bispo de Roma, como sempre foi entendido pelos católicos, é um papel de serviço e não de poder. E este serviço não tem a mesma conotação que costumamos encontrar nos dias de hoje, como se significasse bajulação das massas ou obediência subserviente às reivindicações da moda. Bento XVI recebeu a difícil missão de governar mais de 1 bilhão de fiéis católicos espalhados por um mundo plural onde o relativismo parece ser o último dogma que se manteve de pé após o homem moderno e evoluído relegar o fenômeno religioso ao terreno da superstição. E, na contramão das tendências modernas, decidiu dar ao seu pontificado uma tônica de redescoberta e valorização da identidade católica.

Esta posição foi manifestada tantas vezes que, até mesmo por uma questão de honestidade, não é lícito a ninguém ignorá-la. Ainda antes de ser eleito Papa, interpelado sobre o porquê de a Igreja Católica não agir com um pouco mais de transigência diante das exigências morais dos nossos dias – como o aborto, a contracepção, o casamento gay –, o então cardeal Ratzinger respondeu que a maior parte dos protestantes já aceitava estas práticas há muito tempo e nem por isso suas igrejas estavam com maior popularidade que a Igreja Católica.

Em sua viagem à Alemanha em setembro do ano passado, o Papa disse, em um encontro com seminaristas, que o número dos que pediam uma flexibilização da doutrina moral da Igreja, por grande que chegasse a ser, seria sempre uma falsa maioria. Porque a Igreja é formada também pelos católicos dos séculos passados, de tal maneira que não é possível haver uma maioria contra os apóstolos e os santos. Ninguém está obrigado a ser católico, mas os que querem sê-lo têm a obrigação de professar a fé que é, afinal de contas, precisamente aquilo que os define como católicos.

O Papa é guardião da fé, e não o seu artífice. Bento XVI pode não estar governando da maneira como gostariam alguns católicos mais progressistas, mas ninguém o pode acusar de estar sendo infiel à Igreja da qual ele se apresenta como o maior dos servos.

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Jorge Ferraz é analista de sistemas e mantém o blog Deus lo Vult! (www.deuslovult.org), premiado como o melhor blog pessoal de religião do Brasil pelo júri acadêmico do Top Blog 2011.

Fontes: blog Deus lo Vult! e jornal Gazeta do Povo

terça-feira, 10 de abril de 2012

DEBATE SOBRE CAMISINHA É BARULHO POR NADA

Acho um erro quem considera possível descartar a posição da igreja para com “hábitos sexuais contemporâneos” de forma ligeira como se fora simples “atraso”
LUIZ FELIPE PONDÉ (Folha de São Paulo – 25 novembro 2010)
Sempre me espanta o fato que se dá tanta atenção ao que o Papa diz. Não porque ele não seja uma figura importante (no caso de Bento XVI, também um teólogo importante), mas porque muita gente que faz barulho com o que fala não se diz católica.
Afinal, por que tanta atenção? Talvez haja aí algo que a psicanálise possa responder: trauma com o pai? Ser contra a “camisinha” inviabiliza sua distribuição no mundo? Custo a crer que a fala da Igreja diminua em uma dezena sequer o número de camisinhas acessíveis. Acho muito barulho por nada.
A Igreja Católica é uma instituição antiga e sábia. Gente mal informada pensa o contrário. Esteve em muitas trincheiras ao longo de 2.000 anos, salvou gente, matou gente. Espírito e corpo, como todos nós. Teve e tem um papel civilizador essencial.
Acho um erro quem considera possível descartar a posição da igreja para com “hábitos sexuais contemporâneos” de forma ligeira como se fora simples “atraso”.
Frases como “o mundo avançou muito” são normalmente indício de superficialidade analítica. Homens e mulheres continuam atolados nos mesmos dramas de amor, ódio, sexo e morte.
O foco da Igreja deve ser a humanização da sexualidade, o que significa basicamente que se sexo é barato e amor é caro, o primeiro sem o segundo sempre corre o risco de ser degradante.
Neste sentido, o uso da camisinha é apenas paliativo no combate a comportamentos sexuais promíscuos que aprofundam a contaminação com doenças sexualmente transmissíveis (DST).
A melhor forma (todo mundo sabe) de combater DST é a mudança de comportamento sexual (tornar o sexo “mais caro” ao afeto). Mas isso ninguém quer pensar porque é “feio” dizer que a “vida como balada” é um beco sem saída. Mas é exatamente aí que a igreja destoa e, por isso, se torna essencial, para além das crenças de cada um.
O pecado da Igreja Católica nesses assuntos é “elevar” demais o nível do debate, saindo do senso comum que é simplesmente achar que sexo se resolve “lavando o corpo com água”.
A igreja condena o pecado, mas não o pecador. Aceitar o uso de camisinhas em casos de prostituição pode ser apenas uma forma de “misericórdia” pelo coitado sexual que “vende” seu corpo como escravo.
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Link para o original: http://luizfelipeponde.wordpress.com/2010/12/03/debate-sobre-camisinha-e-barulho-por-nada/