segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Ditadura da Pedagogia

Quem quer que já tenha sido submetido a aulas de pedagogia – por exemplo, em um curso de licenciatura – já conhece esta malsã concocção de marxismo aguado com psicologia rogeriana diluída em proporções homeopáticas, regada com farta dose de paulofreirianismo ao molho de Vygotsky mal-compreendido, com o resultado final modelado na fôrma de bolo de uma vaga versão dietética e politicamente correta do ideário de 1968, decorado com sucata de garrafas PET e polvilhado com um crocante vocabulário inane de “cidadania”, “construtivismo”, “mudança de paradigma”, “transversalidade” e outros termos da moda, normalmente enunciado por senhoras com colares feitos com bolotas grandes. Não, não sei a origem dos colares, mas parece ser uma moda nos meios pedagógicos. Quem conhece sabe do que estou falando.
Na Grécia antiga, onde surgiu o termo, chamava-se “pedagogo” ao equivalente da época do atual motorista do ônibus escolar: pedagogo era o sujeito que levava as crianças ao preceptor, antepassado do nosso professor. Hoje, contudo, o pedagogo é o sujeito que tenta impedir o professor de exercer sua função e ensinar os alunos, cerceando sua atividade e submetendo-a aos ditames de uma visão distorcida do que é ensinar.
Reconhecer a necessidade de uma teoria do aprendizado não implica esquecer que o propósito primeiro deste processo é aprender. No Brasil, contudo, esta atividade-meio – o estudo do processo do aprendizado, uma forma de ajudar o professor a ensinar melhor – substituiu a atividade-fim do ensino, que é o aprendizado. O ensino está nas mãos dos pedagogos, não dos professores. Para que alguém seja professor é necessário que se submeta, no mínimo, a alguns semestres de imersão naquele estranho mundo em que garrafas pet formam um “resgate” ou uma “conscientização” rumo a “um novo paradigma”. Dar aulas, nem pensar. Perceber o óbvio – ou seja, que o professor sabe mais que o aluno, e tem como função levar o aluno a saber algo que não sabia antes – tampouco.
Quando fiz minha primeira licenciatura, passei um semestre nas garras dos pedagogos. Sobrevivi. Quando fiz minha segunda, passei quatro semestres. Dizem que hoje seriam necessários oito semestres; não sei se é verdade, mas é pelo menos verossímil. Afinal, o que passa por pedagogia hoje em dia é tão distante da realidade de sala de aula, tão distante do processo real do ensino e aprendizagem, que é preciso um tempo enorme para conformar uma pessoa sensata àquela distorcida e bizarra visão de mundo.
Na prática, a entrega do sistema educacional aos pedagogos, como qualquer substituição de uma atividade-fim por uma atividade-meio, leva à decadência da atividade-fim. Imaginemos que, em um surto de loucura, o mesmo ocorresse em outra área. Bom, para que uma fábrica de automóveis funcione, é preciso que ela tenha um serviço de limpeza eficiente. Os faxineiros têm que saber, por exemplo, que não podem aspergir desengraxante nas engrenagens de uma máquina, que há peças pequenas que não podem ser jogadas fora etc. Sem um bom serviço de limpeza, a fábrica acaba parando.
Do mesmo modo, sem que se tenha uma noção real de como se aprende, um professor não tem como ensinar; lembro-me de um professor que tive, que passava as aulas recitando um caderno com o texto que ele havia escrito. Na prova, cobrava apenas que completássemos as lacunas. Lacunas aleatórias, a completar de modo preciso: quem escrevesse “mas” no lugar de “porém” errava a questão; só passava quem decorasse inteirinho o tal caderno. Este sujeito precisaria de noções de pedagogia real.
Mas e se a fábrica decidisse que os faxineiros, com sua atividade-meio, coordenassem tudo, em detrimento da atividade-fim de produção? E se os faxineiros, com suas prioridades e interesses, fossem os gerentes da fábrica? Não sairia um só automóvel da linha de montagem, mas a fábrica estaria sempre limpinha, brilhante mesmo... Pois bem, pedagogos dirigindo o ensino são como faxineiros tomando conta da fábrica de automóveis: ninguém aprende nada, mas que auto-estima têm os alunos!
Ao cabo dos 12 ou 13 anos que passam nos bancos escolares, a regra é os alunos saírem analfabetos funcionais, mas com uma auto-estima grande o suficiente para acharem que merecem prêmios por simplesmente existir e um compromisso pessoal com uma “mudança de paradigma” – não que saibam qual era o anterior, ou sequer o que venha a ser um paradigma, mas aí já seria querer demais, não é mesmo? Aprender palavras difíceis já pareceria demais com o temido ensino tradicional...
***
Autor: Carlos Ramalhete, filósofo

A educação do prazer: desde a infância?

Diante de uma série de crimes brutais cometidos por adolescentes e jovens de classe média ou alta nos últimos meses, é comum que muitos pais se perguntem pelos motivos desse comportamento. Se, por um lado, é verdade que é preciso analisar cada caso individualmente, por outro lado é possível apontar uma tendência comum na educação das crianças: aquela segundo a qual a felicidade está em simplesmente procurar o prazer e evitar a dor. É necessário educar bem os filhos para que eles descubram as verdadeiras fontes da felicidade.
Ao depararmos nos noticiários com jovens de classe média abastados que agem de forma cruel e infra-humana, matando, por exemplo, pessoas da sua própria família, ou com pais que jogam o próprio filho recém-nascido no pára-brisa de um carro por raiva, é cada vez mais comum nos perguntarmos: o que é que está acontecendo com a sociedade? Como é possível que um ser humano possa chegar a semelhantes níveis de violência e insensibilidade? O que leva essas pessoas a perder totalmente a racionalidade e a transformarem-se em verdadeiros “bichos do mato”?
Há diversas possíveis respostas para estas indagações – sejam de índole médico-psiquiátrica, sociológica, filosófica, religiosa etc. – e, portanto, haveria que se pesquisar caso por caso para evitar generalizações perigosas e superficiais. Mas acredito que em todas elas se pode apurar que um grande parte da culpa recai na deficiência, desde a infância, da educação do prazer. Uma deficiência que foi crescendo, desde os anos 70, paulatinamente, década por década, mas que, atualmente – qualquer pai e educador percebe claramente –, vem chegando a níveis bastante preocupantes.

Qualquer pai, educador ou psicólogo sabe por experiência que a dificílima tarefa de educar consiste justamente em ir fortalecendo, ano após ano, passo a passo, num grande exercício de paciência, a inteligência e a vontade do “pimpolho” de modo que consiga que toda a sua carga afetiva-sentimental, instintiva-passional e os seus sentidos-gostos sejam moderados e direcionados para as grandes metas da vida. Antes da inversão da “chave” (de “lt;” para “gt;”), qualquer criança viverá sob o domínio do prazer sensível e identificará felicidade com prazer, o que é um dos maiores enganos deste início de século. Se perguntarmos a um adolescente o que o torna feliz ou o que ele identifica como felicidade, descobrirá que para uns será dormir bastante e a qualquer hora, comer o que lhe der na telha e nas melhores praças de alimentação, divertir-se com os mais diversos recursos audiovisuais que a indústria eletrônica oferece para todos os gostos, viajar bastante nos feriados, ir às festas mais badaladas da noite: enfim, as alegrias materiais, fugazes, rápidas, que não deixam muita coisa no “ser” e que, apesar de serem elementos importantes para a felicidade, não são nem de longe o mais importante.

BUSCAR O PRAZER E EVITAR A DOR

Em outros casos, detectaremos que o jovem adolescente identificará a felicidade com “fazer o que se gosta e fugir do que custa”: é a dinâmica própria da velha doença dos sentimentos desvairados que se chama sentimentalismo. Todo mundo quer e gosta de se sentir bem. O problema não é esse. O problema está em parar nisso: em colocar o fim da vida nisso, pois como será possível alcançar os ideais altos que todo ser humano normal anseia, ou conseguir almejar uma capacidade séria e forte de compromisso, somente sentindo-se bem na vida?
Por fim, outros ainda alegarão que felicidade é ficarem na sua “bolha”: o quartinho, a caminha, a mesinha, com ar condicionado, frigobar, computador-TV-videogame-DVD, cachorrinho, livres dos perigos da vida... Quantas mães são as próprias criadoras destas “bolhas”, que não passam de “câmaras” de infra-filhos, os quais irão crescer sem anticorpos para vencer as dificuldades da vida!
Podemos observar, portanto, que toda a criança, nos primeiros anos da sua vida, é “naturalmente” egoísta e tremendamente hedonista (prazer pelo prazer, sem porquês, sem medidas, sem limites). Como se já não bastasse toda esta força negativa da própria natureza humana da criança, vem-se somando, desde os anos 70, uma outra carga negativa que é a força do meio em que toda criança vive. É já lugar-comum afirmar a força que exercem hoje os meios de comunicação – TV, outdoors, internet, filmes, músicas – nas escolhas dos jovens e adolescentes.

A PRIMAZIA DOS SENTIMENTOS

Se fizéssemos uma exploração histórico-filosófica – aqui daremos somente umas breves pinceladas – desde a Idade Média até ao início do século XX, perceberíamos com muita facilidade que os domínios da inteligência e da vontade sempre se foram revezando na primazia: em algumas épocas, o grande “valor” social eram as conquistas e as guerras; em outras, as grandes descobertas; ora o heroísmo do além-mar, ora o mundo das idéias. Nem a inteligência nem a vontade nunca se deixaram perder ou rebaixar pelo mundo dos sentimentos e dos afetos. No início do século passado, influenciados tanto por alguns filósofos que, reagindo a tanto racionalismo e cientificismo humano, “lançaram no mercado” a supremacia dos sentimentos, como por um rápido desenvolvimento tecnológico, que oferece ao mundo conforto e prazer jamais imaginados pelos nossos antepassados, a sociedade se “vendeu” ao prazer.

Durante todos estes anos, semelhante idolatria foi crescendo e ganhando espaço e hoje – com a revolução tecnológica que permitiu a globalização –, parece que estamos chegando perto do seu ápice. O fato é que esta força social é a grande motivação de muitos pais para trabalharem doze horas por dia e se matarem irracionalmente para ganhar muito dinheiro que permita, primeiro, “ter” para curtir a vida e mostrar aos outros que “têm”; e, depois, oferecer aos filhos aquilo que a sociedade diz ser felicidade. Esta é a grande responsável de que os pais poupem sofrimento aos filhos, custe o que custar, em vez de lhes ensinar – aos pouquinhos – como enfrentar o sofrimento e dar-lhes um sentido na hora da dor. É ela que vem induzindo o adolescente a fazer de tudo para se “sentir” feliz de forma errada e nociva.

O que acontece quando a força negativa da natureza da criança se soma a essa força social? Qualquer pai ou mãe que analise em profundidade as conseqüências nocivas que essa resultante de forças cria, só pode e deve ficar bastante preocupado. Perceberá que muitas delas se identificarão com algumas das “chagas” sociais que tanto se comentam nas reportagens dos jornais e, quiçá, se encontram na sua própria família.

CONSEQÜÊNCIAS DO PRAZER COMO FINALIDADE

Uma criança que identifique felicidade com prazer facilmente se tornará consumista e materialista: só se “sentirá feliz” se puder ir ao shopping todos os fins de semana e comprar a vigésima calça para a festa da amiguinha; terá vergonha de ir ao colégio se o pai não tiver o carro do ano; fará de tudo, se precisar, para conseguir ter mais dinheiro.

Uma criança que é educada na dinâmica do sentimentalismo – fazer só o que gosta e fugir de tudo o que custa – será, em primeiro lugar, uma pessoa fraca de vontade: não terá capacidade de alcançar os ideais altos que exigem muita garra e fortaleza e será um inconstante infeliz; não conseguindo conquistar esses ideais e sendo “discriminado” pela vida, com muita probabilidade tornar-se-á uma pessoa depressiva – já chamam a depressão de “doença do século XXI”! – e imatura, porque não consegue vaga na faculdade, no mercado de trabalho, não é feliz no namoro, não tem alegria na vida. Para quem se encontra num estado interior assim, passar para a violência requer apenas um pulinho. A violência da classe média é, na maioria das vezes, reflexo da sua própria fraqueza, construída normalmente com as facilidades e mimos dos familiares.

Por outro lado, uma pessoa fraca, depressiva e violenta – queira ou não queira –tornar-se-á uma pessoa solitária, sem amigos e sem amores. Fica fácil entender agora por que muitos jovens hoje se escondem – se alienam, se refugiam – nas drogas e nas mais diversas modalidades do sexo? Por que parecem “bichos do mato”?

Por mais alarmistas que possam parecer estas considerações, é uma pena ter de reconhecer que se trata de uma realidade muito próxima. Em todos os exemplos anteriores, como consultor educacional e com experiência de mais de 20 anos na área educacional, poderia citar nomes e sobrenomes de inúmeros casos iguais ou semelhantes.

MOSTRAR ONDE ESTÁ A FELICIDADE

É necessário e urgente investirmos pesado na educação dos nossos jovens. É preciso mostrar-lhes que a felicidade não está no prazer desvairado e irracional, mas no prazer certo, no lugar certo, na medida certa e com a finalidade certa. Que para isso é preciso aprender, desde cedo, a dizer “não” a muitos desejos e impulsos. Que quando são bem explicados, os porquês dos “não” não só não traumatizam – como já se disse muito por aí – mas libertam, e no fundo estão dizendo “sim” à verdadeira felicidade, à verdadeira realização, aos verdadeiros amores. Que não é muito inteligente buscar um prazer imediato, irrefletido e animal, que conduza depois a tanta tristeza e depressão, que duram, às vezes, por períodos longos ou até a vida toda.

Está na hora de investir intensamente nas alegrias da inteligência, dos valores humanos, da descoberta do sentido da vida, da cultura, das convicções firmes. Como também chegou o momento de resgatar o papel fundamental que tem, no equilíbrio das paixões e na harmonia dos sentimentos, a conquista da vontade, do amor real e da verdadeira amizade. Somente assim será possível darmos às nossas crianças capacidade de enfrentar e superar toda a pressão interna e externa que sofrem todos os dias; e dar-lhes a possibilidade de vislumbrar horizontes mais humanos.

***
AutorJoão Malheiro, formado em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo (1984) e mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003), com ênfase em Projeto Político Pedagógico. Atualmente é doutorando em Educação pela UFRJ, aprofundando no tema da falta de motivação no ensino-aprendizagem e como ela pode se relacionar com a vivência e o ensino da Ética.

Fonte: Quadrante